Miocardite: conheça as causas e as diretrizes de diagnóstico
Causas e sintomas da miocardite podem variar de forma significativa, o que dificulta o diagnóstico dessa doença.
Daí a necessidade de observar o histórico do paciente para identificar, por exemplo, se houve um quadro infeccioso recente.
Geralmente, ele é provocado por vírus.
Combinando essa informação a manifestações clínicas como falta de ar e ritmo cardíaco anormal, o cardiologista pode solicitar os exames necessários e identificar a inflamação do músculo cardíaco.
E, assim, oferecer o tratamento mais adequado, como explico ao longo deste artigo.
Avance na leitura para aprofundar seus conhecimentos sobre a miocardite, como detectar e possíveis abordagens terapêuticas para reverter o quadro.
Você ainda vai conferir um bônus com soluções de telemedicina que auxiliam no diagnóstico de patologias cardíacas.
O que é miocardite?
Miocardite é uma doença caracterizada pela inflamação do miocárdio.
Segundo estimativas do Global Burden of Disease Study, a patologia tem incidência de 22 casos para cada 100.000 pacientes atendidos.
Essa condição costuma provocar a dilatação de câmaras cardíacas, aumentando o risco de que o paciente desenvolva insuficiência cardíaca e arritmias.
Casos graves ou que não respondam bem ao tratamento podem evoluir para a morte de células cardíacas (necrose) ou até para morte súbita.
No entanto, essas complicações são raras e a maioria dos pacientes tratados têm bom prognóstico.
O que reforça a importância de que médicos generalistas e especialistas estejam preparados para avaliar possíveis sintomas e detectar a patologia precocemente, a fim de tratar os doentes com agilidade.
Qual a diferença entre miocardite e pericardite?
A diferença entre as doenças está na localização do quadro inflamatório.
Enquanto a miocardite afeta o músculo cardíaco, a pericardite acomete a camada que envolve o coração, chamada pericárdio.
Algumas vezes, as doenças aparecem combinadas, levando à miopericardite – condição resultante da expansão do quadro inflamatório do miocárdio para o pericárdio.
Esses casos são mais graves e requerem ação rápida para evitar emergências como o tamponamento cardíaco – condição decorrente do acúmulo de líquido no pericárdio, que impede o preenchimento do coração com sangue.
Nesse contexto, há ameaça à vida do paciente devido à redução do débito cardíaco e queda brusca na pressão arterial.
O que causa miocardite?
Nem sempre a causa da miocardite é identificada, pois muitos casos são idiopáticos.
Contudo, o mais comum é que a doença seja desencadeada por uma infecção prévia que gera resposta inflamatória em células do miocárdio.
De acordo com o estudo “Miocardite fulminante”, publicado na Revista Médica de Minas Gerais (RMMG):
“O agente agressor mais frequente é o infeccioso, por mecanismo de atuação direta do vírus contra o cardiomiócito e o tecido de sustentação miocárdica ou por reação autoimune pós-infecção viral. A miocardite pode também ser secundária a agressões pelo sistema imunológico, como na miocardite periparto, por radioterapia, quimioterapia e hipersensibilidade a drogas”.
Embora bactérias e fungos possam provocar miocardite, os maiores causadores das doenças são os vírus.
Principalmente os enterovírus como Coxsackie vírus tipo B, adenovírus, parvovírus B19 e herpes-vírus 6.
Recentemente, equipes médicas identificaram ainda relação com o coronavírus, a partir de inflamações do miocárdio em pacientes que tiveram Covid-19.
Trago detalhes sobre esse assunto mais à frente.
Vale ressaltar que existem outras causas não infecciosas para a patologia, incluindo:
- Abuso de drogas ilícitas e de álcool
- Certos medicamentos que desencadeiam reações de hipersensibilidade no músculo cardíaco
- Doenças autoimunes, como o Lúpus Eritematoso Sistêmico (LES)
- Algumas vacinas, como as de RNA mensageiro desenvolvidas contra o coronavírus.
É importante que o médico amplie a investigação, pois conhecer a causa da condição contribui para o seu tratamento.
Quais os sintomas da miocardite?
Muitas vezes, a miocardite não apresenta manifestações clínicas perceptíveis pelo doente.
Principalmente quando o quadro é leve e associado a uma infecção viral prévia, levando o paciente a pensar que está com sintomas da própria infecção.
Quando esses sinais existem, eles variam de acordo com a intensidade, extensão, causa e o tipo de miocardite, sendo os mais comuns:
- Fadiga durante atividades corriqueiras, como caminhadas ou mesmo um banho
- Falta de ar
- Edema (inchaço) em locais como pernas e pés
- Palpitações decorrentes de ritmo cardíaco anormal.
Quando os sintomas incluem dor torácica aguda que pode irradiar para áreas como pescoço e ombros, há risco aumentado para miopericardite, em especial se a dor vier associada a arritmias.
O doente ainda pode apresentar erupções cutâneas, que indicam miocardite de sensibilidade, ou manifestações típicas de doenças infecciosas, se for miocardite infecciosa.
Caso se apresente na forma fulminante, a doença se torna uma emergência médica que exige socorro imediato para evitar a morte do paciente.
As principais características da miocardite fulminante estão descritas no já citado artigo sobre o tema, que afirma:
“Quando fulminante, tem início no intervalo de dias após uma infecção viral bem identificada e caracteriza-se por disfunção do ventrículo esquerdo grave e, muitas vezes, choque cardiogênico, sendo que biópsias revelam infiltrados inflamatórios graves e necrose miocítica. Apesar da gravidade do quadro, estudos mostram que aqueles pacientes com miocardite fulminante são os que apresentam mais possibilidade de recuperação completa, sem morbimortalidade relacionada ao coração após a apresentação inicial”.
Miocardite pode matar?
Sim, a doença pode matar, mas isso é raro.
Como mencionei antes, na maioria dos casos a patologia é leve e pode ser tratada sem provocar grandes complicações de saúde.
Entretanto, formas graves como a miopericardite e miocardite fulminante requerem uma abordagem terapêutica ágil, pois podem levar ao óbito.
Um quadro típico corresponde a um paciente saudável, com menos de 40 anos, que passou a apresentar insuficiência cardíaca poucos dias depois de sofrer uma infecção.
Ele pode ser vítima de morte súbita em breve.
Para se ter uma ideia do risco, sociedades médicas estimam que a miocardite fulminante cause até 20% das mortes súbitas entre pessoas jovens.
Como diagnosticar miocardite?
O diagnóstico é baseado na avaliação de manifestações da doença, combinada a exames laboratoriais e cardiológicos.
Conforme a Diretriz de Miocardites da Sociedade Brasileira de Cardiologia, existem quatro formas de apresentação da miocardite:
- Quadro clínico semelhante à síndrome coronariana aguda (dor torácica, alterações eletrocardiográficas sugestiva de isquemia, elevação de marcadores de necrose miocárdica com coronárias normais)
- Sintomas novos agudos de IC (entre 3 dias e 3 meses) na ausência de doença coronariana ou causa conhecida para os sintomas
- Sintomas de IC de início recente nos últimos meses (> 3 meses) na ausência de doença coronariana ou causa conhecida para os sintomas
- Condições ameaçadoras da vida: arritmias ventriculares inexplicadas e/ou síncope e/ou morte súbita abortada, choque cardiogênico sem doença coronariana associada.
Uma vez identificados, devem motivar uma investigação mais completa, com diferentes exames.
Avaliação laboratorial
Exames de laboratório são capazes de revelar substâncias importantes para o diagnóstico, como biomarcadores de lesão miocárdica, principalmente troponinas elevadas.
A SBC ainda recomenda:
- Sorologias virais na investigação de rotina de todos os casos de miocardite
- Uso de marcadores inflamatórios, a partir da contagem de leucócitos, velocidade de hemossedimentação (VHS) e proteína C reativa (PC-R)
- Investigação sorológica e/ou detecção de antígenos e/ou RT-PCR para diagnóstico de Covid-19 em casos suspeitos
- Investigação sorológica e/ou detecção de antígenos e/ou RT-PCR para avaliação inicial de pacientes em situações especiais de suspeita de miocardite por etiologias específicas.
Importante destacar ainda o papel do eletrocardiograma no diagnóstico.
Eletrocardiograma e testes de estresse
Simples, rápido e indolor, o ECG de 12 derivações ou sua forma dinâmica, o teste ergométrico, auxiliam na triagem inicial de pacientes com suspeita de miocardite.
Embora tenha especificidade limitada, a avaliação da atividade elétrica do coração costuma ter alterações diante do quadro inflamatório, o que fornece pistas para o diagnóstico.
De acordo com as diretrizes da SBC, as anormalidades mais frequentes são taquicardia sinusal e elevação do segmento ST-T tipicamente côncava na miocardite (o que a diferencia da isquemia miocárdica, com elevação comumente convexa), difusa sem alterações recíprocas, transitória e reversível na evolução.
Outros achados relevantes são:
- Bloqueio atrioventricular de I a III graus ou bloqueio de ramo
- Alteração de ST/T (elevação de ST ou sem elevação do segmento ST, inversão da onda T)
- Parada sinusal
- Taquicardia ou fibrilação ventriculares e assistolia
- Fibrilação atrial
- Redução da altura da onda R
- Atraso da condução intraventricular (complexo QRS alargado)
- Ondas Q anormais
- Baixa voltagem
- Batimentos prematuros frequentes
- Taquicardia supraventricular.
Por isso, é comum que a investigação cardiológica inicie com um ECG.
Exames de imagem
Alguns métodos de diagnóstico por imagem também contribuem para descartar outras patologias e confirmar o diagnóstico da miocardite.
O ecocardiograma evidencia padrões anormais para outras doenças, enquanto angiotomografia computadorizada de coronárias, a ressonância magnética e exames de medicina nuclear reforçam o diagnóstico.
Ainda segundo as diretrizes da SBC, o maior valor da ressonância consiste na sua capacidade de proporcionar detalhada caracterização tecidual do miocárdio, e:
“Dessa maneira, permite identificar tanto a lesão miocárdica inflamatória das fases aguda e subaguda quanto às lesões cicatriciais frequentemente presentes na fase crônica da doença. As principais técnicas de RMC classicamente utilizadas na caracterização da lesão miocárdica dos pacientes com miocardite são as sequências ponderadas em T2 e a técnica do realce tardio”.
Miocardite tem cura?
Sim, miocardite tem cura.
A maioria dos pacientes apresenta resposta satisfatória ao tratamento.
Isso permite a resolução do quadro inflamatório e seu desfecho positivo.
Como tratar miocardite?
Nos casos leves, basta tratar a causa para que a miocardite desapareça de maneira espontânea.
Já nos quadros moderados a graves, é necessário tratar a insuficiência cardíaca e arritmias que estejam prejudicando o funcionamento cardíaco.
Para isso, pode ser preciso administrar bloqueadores e inibidores da enzima conversora de angiotensinogênio (IECA) e medicamentos com efeito diurético.
Simultaneamente, o paciente deve ser tratado com antivirais, se a inflamação for causada por vírus, e antibióticos, se for por bactérias.
Miocardites por hipersensibilidade pedem a suspensão da substância que provocou resposta inflamatória, além de corticosteroides.
Em alguns casos, a terapia medicamentosa não produz o efeito desejado, o que implica na indicação de cirurgias para colocação de marcapasso para reverter ritmos cardíacos anormais, por exemplo.
Situações extremas fazem do paciente candidato a transplante cardíaco.
Quem tem miocardite pode beber?
Claro que não vale generalizar, porque cada caso é diferente do outro.
Porém, é importante orientar seus pacientes sobre os possíveis efeitos do álcool, que tende a elevar a frequência cardíaca, revertendo o efeito de certos medicamentos.
Arritmias como a fibrilação atrial (FA) também podem se agravar em decorrência da ingestão de bebida alcoólica.
Sem contar outros impactos negativos para a saúde, principalmente quando o consumo é em grandes quantidades.
Qual a relação entre miocardite e Covid?
Assim como os vírus que provocam mononucleose, HIV, sarampo e dengue, o SARS-CoV-2 pode causar miocardite.
Essa hipótese surgiu ainda em 2020, relatada por estudos como este artigo de revisão publicado na Revista da Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo (Socesp), que conclui o seguinte:
“Os dados atuais sugerem que a Covid-19 é patologia potencialmente grave que pode levar a injúria miocárdica com vários espectros clínicos, incluindo miocardite aguda”.
Estudos posteriores corroboraram a relação entre o coronavírus e a doença, a exemplo deste material (em inglês) divulgado pelo Centro de Prevenção e o Controle de Doenças (CDC) norte-americano.
Após analisar dados de mais de 900 hospitais, os autores apontaram que pacientes com Covid tinham risco aumentado para miocardite em cerca de 16 vezes.
Vacinas de RNA mensageiro, como as desenvolvidas pela Moderna e Pfizer, também aumentam ligeiramente o risco para miocardite.
Contudo, seu efeito é muito mais brando que o da Covid, o que fez as autoridades de saúde manterem a recomendação de vacinação para todas as faixas etárias.
Como a telemedicina ajuda no diagnóstico da miocardite?
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Conclusão
Condição complexa, a miocardite exige zelo e dedicação para um diagnóstico preciso, viabilizando o tratamento adequado.
Espero ter ajudado a entender melhor a doença, sua manifestação clínica e conduta médica em diferentes casos.
Se ficou alguma dúvida ou sugestão, deixe um comentário.
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