Lixo hospitalar: o que é, tipos e como descartar da maneira correta

Por Dr. José Aldair Morsch, 25 de dezembro de 2023
Lixo hospitalar

O gerenciamento de lixo hospitalar deve seguir as normas da Anvisa e demais autoridades ambientais.

O objetivo é evitar a contaminação do solo, risco de infecção de profissionais que lidam com os rejeitos e outros problemas.

Diante desse cenário, é urgente incluir as boas práticas de manipulação e descarte desses resíduos no dia a dia dos estabelecimentos de saúde.

Neste texto, apresento um panorama completo sobre lixo hospitalar, tipos e como criar um protocolo de descarte adequado.

Ao final, trago dicas para reduzir a produção de lixo hospitalar.

O que é lixo hospitalar?

Lixo hospitalar é todo resíduo resultante das atividades de serviços de saúde.

Também conhecidos como resíduos de serviços de saúde (RSS), eles são gerados por estabelecimentos com atividades relacionadas com a atenção à saúde humana ou animal, tais como:

  • Hospitais, clínicas e consultórios
  • Serviços de assistência domiciliar
  • Laboratórios analíticos de produtos para saúde
  • Necrotérios, funerárias e serviços onde se realizem atividades de embalsamamento (tanatopraxia e somatoconservação)
  • Serviços de medicina legal
  • Drogarias e farmácias, inclusive as de manipulação
  • Estabelecimentos de ensino e pesquisa na área de saúde
  • Centros de controle de zoonoses
  • Distribuidores de produtos farmacêuticos, importadores, distribuidores de materiais e controles para diagnóstico in vitro
  • Unidades móveis de atendimento à saúde
  • Serviços de acupuntura
  • Serviços de piercing e tatuagem, salões de beleza e estética, etc.

Muitos dos rejeitos resultantes dessas atividades são considerados perigosos, devendo seguir as regras estabelecidas pela RDC 222/2018 (Boas Práticas de Gerenciamento dos Resíduos de Serviços de Saúde).

Segundo a norma, resíduo perigoso é:

“Aquele que, em razão de suas características de inflamabilidade, corrosividade, reatividade, toxicidade, patogenicidade, carcinogenicidade, teratogenicidade e mutagenicidade, apresenta significativo risco à saúde pública ou à qualidade ambiental ou à saúde do trabalhador, de acordo com lei, regulamento ou norma técnica”.

Quais os riscos do lixo hospitalar?

Existem diferentes tipos de resíduos de serviços de saúde, sendo uma parte composta por lixo comum.

Falo, por exemplo, do material de escritório, que não representa perigo para quem realiza seu recolhimento, acondicionamento e descarte.

Contudo, há também rejeitos perfurocortantes, contendo material biológico, químico e radioativo.

Se não forem corretamente descartados, esses resíduos podem infectar os profissionais da coleta e catadores de lixo que entrem em contato com eles.

Conforme mencionei no tópico anterior, os resíduos perigosos apresentam características que ameaçam a saúde ou até a vida, incluindo:

  • Toxicidade: potencial para causar danos irreversíveis em órgãos e tecidos, desencadeando lesões graves ou fatais
  • Patogenicidade: capacidade de um microrganismo de provocar doença em um hospedeiro infectado
  • Carcinogenicidade: propriedade de um agente induzir câncer
  • Teratogenicidade: potencial de uma substância desencadear malformações fetais quando em contato com o organismo de uma gestante
  • Mutagenicidade: capacidade de gerar modificações permanentes no DNA.

Além dos danos à saúde humana e de outros seres vivos, o contato com lixo hospitalar pode contaminar o solo, água e ar, prejudicando vários ecossistemas.

Um exemplo ocorre quando os resíduos são deixados em lixões comuns, liberando substâncias perigosas no solo, que alcançam também o lençol freático.

Plantas e animais que consomem a água contaminada acabam adoecendo, morrendo e/ou transmitindo patógenos para outros seres vivos, formando um ciclo vicioso.

Acidentes ampliados

Outra consequência nefasta do descarte incorreto são os acidentes ampliados, que impactam trabalhadores, a comunidade do entorno e o meio ambiente.

Um deles foi registrado em 1987, na cidade de Goiânia/GO, quando dois catadores de sucata encontraram e venderam um cilindro de ferro contendo Césio 137.

Sem saber do risco da substância radioativa, o dono do ferro-velho que comprou uma das peças distribuiu pedaços de pedra azul para familiares e vizinhos.

O resultado foi uma tragédia que deixou quatro mortos, 250 contaminados e um amputado.

Tipos de lixo hospitalar

Conforme a já citada RDC 222/2018, o lixo hospitalar pode ser classificado em cinco grupos distintos.

Conheça cada um deles a seguir.

Resíduos potencialmente infectantes (Grupo A)

São os rejeitos mais perigosos, devido à presença de agentes biológicos que podem apresentar risco de infecção.

O Grupo A possui 5 subgrupos, com exemplos que detalho abaixo:

  • Subgrupo A1: rejeitos como culturas e estoques de micro-organismos, bolsas de sangue, sobras de amostras de laboratório contendo sangue ou líquidos corpóreos
  • Subgrupo A2: cadáveres, carcaças, peças anatômicas, vísceras e outros resíduos provenientes de animais submetidos a processos de experimentação com inoculação de microrganismos
  • Subgrupo A3: membros de seres humanos
  • Subgrupo A4: Kits de linhas arteriais, endovenosas e dialisadores, resíduos provenientes de procedimentos cirúrgicos
  • Subgrupo A5: órgãos, tecidos e fluidos orgânicos de alta infectividade para príons e materiais que tiveram contato com eles.

Agora, vamos conhecer os demais grupos.

Resíduos químicos (Grupo B)

Medicamentos, resíduos de saneantes ou contendo metais pesados e efluentes reveladores de filmes de raio X são exemplos de lixo hospitalar químico.

Eles contêm produtos que apresentam periculosidade à saúde pública ou ao meio ambiente, dependendo de suas características de inflamabilidade, corrosividade, reatividade, toxicidade, carcinogenicidade, teratogenicidade, mutagenicidade e quantidade.

Rejeitos radioativos (Grupo C)

Correspondem a materiais contendo radionuclídeo em quantidade superior aos níveis de dispensa especificados em norma da CNEN (Comissão Nacional de Energia Nuclear) e para os quais a reutilização é imprópria ou não prevista.

Rejeitos provenientes de laboratório de pesquisa e ensino na área da saúde, laboratório de análise clínica, serviço de medicina nuclear e radioterapia recebem essa classificação.

Resíduos comuns (Grupo D)

Sobras de alimentos, papel e lixo de escritório, resíduos recicláveis, fraldas e absorventes descartáveis fazem parte desse grupo.

Esses materiais não apresentam risco biológico, químico ou radiológico à saúde ou ao meio ambiente, podendo ser equiparados aos resíduos domiciliares.

Resíduos perfurocortantes ou escarificantes (Grupo E)

São itens capazes de cortar ou furar, incluindo agulhas, escalpes, ampolas de vidro, brocas, limas endodônticas, pontas diamantadas, lâminas de bisturi, etc.

Resíduo hospitalar

Existem diferentes tipos de resíduos de serviços de saúde, sendo uma parte composta por lixo comum

Como descartar lixo hospitalar?

O descarte adequado do lixo hospitalar depende do tipo de resíduo.

É necessário observar os recipientes adequados para descartar itens infectantes, químicos e perfurocortantes, evitando acidentes de trabalho ou ocorrências junto aos pacientes e acompanhantes.

Eles ficarão nesses recipientes até que a equipe de limpeza os encaminhe para a segregação, acondicionamento e identificação, iniciando o protocolo de descarte.

No entanto, ainda há grande desconhecimento sobre o manejo dos rejeitos, que, muitas vezes, não são destinados corretamente.

Segundo levantamento da Abrelpe (Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais), apenas 30% do lixo infectante vai para incineração – que é o destino final apropriado para esses materiais.

Enquanto outros quase 30% são enviados a aterros sanitários e mais de 15% vão para os lixões, sem qualquer cuidado para evitar que contaminem o solo e água.

Dados como esses reforçam a importância de adotar um protocolo de descarte que contemple as necessidades do estabelecimento de saúde e as exigências da vigilância sanitária.

Volto a falar desse assunto mais à frente.

Por enquanto, vale frisar que é necessário utilizar equipamento de proteção individual (EPI) e observar outras práticas de segurança do trabalho em hospitais ao manusear os resíduos perigosos.

Como é feita a coleta de lixo hospitalar?

Uma vez acondicionados em caixas e/ou sacos brancos resistentes, os resíduos ficam abrigados em lixeiras e outros locais até serem retirados por uma empresa especializada.

Resíduos radioativos ficam armazenados até que seu nível de radiação permita o descarte junto a outros produtos perigosos.

Geralmente, os estabelecimentos de saúde contratam empresas de transportes de resíduos para garantir que essa operação seja realizada com segurança.

O lixo hospitalar é colocado numa caixa de contenção inserida em cabine isolada, prevenindo que entre em contato com o motorista e outros funcionários.

Todos eles utilizam uniforme e EPI como luvas de proteção, máscara e calçado de segurança.

São utilizados veículos devidamente sinalizados para mostrar que contêm resíduos perigosos.

Para onde vai o lixo hospitalar?

Mais uma vez, vai depender do tipo de rejeito.

Lixo comum pode ser reciclado ou reutilizado, por isso é encaminhado a centros de reciclagem assim como os resíduos residenciais.

Produtos farmacêuticos são devolvidos ao fabricante, ao passo que o lixo perfurocortante e/ou infectante é encaminhado à incineração.

Ou a aterros sanitários classe I, próprios para produtos perigosos.

Resíduos de Serviços de saúde

O protocolo de descarte de lixo hospitalar engloba o planejamento, descrição e realização das ações

Como criar um protocolo de descarte de lixo hospitalar?

O protocolo ou Plano de Gerenciamento de RSS (PGRSS) engloba o planejamento, descrição e realização das ações referentes ao manejo do lixo hospitalar, pensadas a partir da realidade do serviço.

É fundamental envolver a equipe médica, o time de limpeza e demais funcionários nesses processos, fornecendo o treinamento necessário.

Confira as seis principais etapas do PGRSS abaixo, conforme os requisitos da Anvisa.

1. Segregação

Na primeira fase, deve-se separar o lixo hospitalar de acordo com o tipo de resíduo, reunindo os itens similares para facilitar o descarte.

2. Acondicionamento e identificação

Em seguida, é preciso dispor os resíduos em embalagens adequadas para o transporte, considerando as especificações do fabricante.

Veja algumas regras básicas indicadas na legislação da Anvisa e na Cartilha de Procedimentos no Tratamento de Resíduos, elaborada pela Unifesp (Universidade Federal de São Paulo):

  • Resíduos do Grupo A devem ser colocados em sacos resistentes, de cor branca e preenchidos com até 2/3 de sua capacidade. Eles são identificados pelo símbolo de risco biológico, com rótulo de fundo branco, desenho e contornos pretos, acrescido da expressão RESÍDUO INFECTANTE
  • Resíduos de laboratório do Grupo B devem ser postos em saco impermeável branco leitoso, resistente a punctura, ruptura e vazamento e preenchido até 2/3 de sua capacidade. Na etiqueta de identificação, constam nome da substância, classe, volume e data, além do símbolo de tóxico (ou outro símbolo do Sistema Globalmente Harmonizado de Classificação e Rotulagem de Produtos Químicos – GHS, na sigla em inglês)
  • Líquidos do Grupo B são acondicionados em embalagem que evite choque mecânico e garanta a integridade física dos frascos, de acordo com a compatibilidade química
  • Substâncias radioativas são segregadas por tipo de radioisótopo e estado físico, e acondicionadas em saco amarelo, com etiqueta contendo o símbolo internacional de presença de radiação ionizante (trifólio de cor magenta ou púrpura) em rótulo de fundo amarelo, acrescido da expressão MATERIAL RADIOATIVO, REJEITO RADIOATIVO ou RADIOATIVO
  • Materiais do Grupo E devem ser dispostos em caixa rígida de cor amarela e preenchimento de até 2/3 da capacidade. São identificados pelo símbolo de risco biológico, com rótulo de fundo branco, desenho e contorno preto, acrescido da inscrição de RESÍDUO PERFUROCORTANTE.

Então, passamos ao tratamento.

3. Tratamento

Certos itens passam por um processo que altera suas propriedades, como a esterilização, a fim de diminuir riscos ocupacionais, prevenir contaminações e agravos à saúde.

4. Armazenamento

Trata-se da guarda de resíduos acondicionados e identificados em locais de fácil acesso para veículos coletores.

Geralmente, eles ficam em abrigos próximos ao local onde foram gerados.

5. Coleta e transporte

Consiste na remoção dos itens colocados em abrigos de resíduos até a unidade de tratamento ou disposição final.

A coleta e transporte devem obedecer às normas de autoridades nacionais, estaduais e municipais, incluindo órgãos responsáveis pela limpeza urbana.

6. Disposição final

Por fim, é feito o descarte do lixo hospitalar em aterro sanitário com solo devidamente preparado, quando aplicável.

Como reduzir o lixo hospitalar?

Reduzir o lixo hospitalar é uma tarefa complexa, mas necessária, que deve receber atenção especial por parte da gestão em saúde.

A dica é identificar oportunidades de diminuir o uso de produtos descartáveis e destinar os resíduos comuns à reutilização ou reciclagem.

Obviamente, quando falo de descartáveis, não me refiro aos itens essenciais para a segurança do paciente e dos colaboradores, que evitam contato direto e contaminação.

No entanto, muitos estabelecimentos dispõem de copa, cozinha, refeitório e outros locais em que é gerado lixo comum.

Nesses casos, opte por louças e outros utensílios que possam ser reaproveitados, além de dar preferência a sabonetes e mais itens em refil, diminuindo a quantidade de embalagens descartadas.

Conclusão

Espero ter tirado suas dúvidas sobre lixo hospitalar, seu acondicionamento e destinação final adequados.

Vale frisar a relevância de observar as normas que, além de orientar sobre os protocolos, preservam a saúde e integridade de seres vivos e protegem o meio ambiente.

Além da legislação de abrangência nacional, consulte leis municipais sobre limpeza urbana para adaptar seus processos corretamente.

Se gostou do texto, veja mais artigos sobre gestão na saúde no blog da Telemedicina Morsch!

Dr. José Aldair Morsch
Dr. José Aldair Morsch
Cardiologista
Médico formado pela FAMED - FURG – Fundação Universidade do Rio Grande – RS em 1993 - CRM RS 20142. Medicina interna e Cardiologista pela PUCRS - RQE 11133. Pós-graduação em Ecocardiografia e Cardiologia Pediátrica pela PUCRS. Linkedin